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COISAS QUE ESPERAM POR TI NA RUA DE SANTA CATARINA (QUE SÓ UM TRIPEIRO SABE)

A Rua de Santa Catarina é a grande artéria comercial da cidade do Porto. Um ponto nevrálgico onde milhares de pessoas confluem diariamente, passeando-se por um centro comercial que dispensa paredes, luzes artificiais e corredores.

É um mundo praticamente rectilíneo, sem limites físicos e com poucas sinuosidades. Mas esse mundo não é só feito de lojas, cafés, negócios e outros estabelecimentos comerciais. O fantástico universo de Santa Catarina também alberga pessoas e momentos que já se tornaram imagens de marca. Falamos de alguns anónimos ilustres que, sem se darem conta, são eles próprios um capítulo incontornável da história da Rua. Nesta lista de “10 coisas”, há coisas que não são coisas, coisa que só nós – Portuenses, sabemos. Vamos, então, coisar …  

 

1.  SESSÃO FOTOGRÁFICA NA CAPELA DAS ALMAS

A Capela das Almas merece ser apreciada, e até aqui nada de estranho. Saquem das vossas Canon, smarphones e Ipad’s, e registem para a posterioridade o espectáculo de azulejaria azul e branca que reveste toda a sua fachada. No entanto, muita atenção aos peões que circulam dos dois lados do passeio da Rua Fernandes Tomás. O mais provável é ficarem retidos num perigoso engarrafamento humano. Enquanto a/o modelo posa para a foto de uma margem da rua, do lado onde se encontra a Capela, da margem oposta, aquela onde vocês caminham, está o seu fotógrafo pessoal de camara em punho. E como a fotografia tem que ficar perfeita, não pode conter vestígios de automóveis no plano ou a presença de transeuntes anónimos, nem nada que se interponha entre o ser humano e a paisagem. É um pára-arranca interminável de pedestres que não sabem se devem, ou não, interromper ou prosseguir a marcha. Quem já foi vítima deste fenómeno sabe o quão difícil é decidir que tipo de cidadão quer encarnar: aquele que se atravessa à frente do fotógrafo e segue a sua vida como se nada fosse, ou um mais consciencioso, que carrega no “pause” e fica a aguardar pelo sinal positivo do fotógrafo para saber se pode seguir com a sua vida. Quem tem sorte são os condutores, que não têm que lidar com este dilema. Até ao dia … até ao dia que os instagrammers vistam o papel de polícias sinaleiros e comecem a parar o trânsito de propósito para tirar uma “chapa” mais “clean”. 

 

2. PROMOTORES DA WTF

Se és jovem e acabaste de subir as escadas rolantes do Metro do Bolhão, não vais conseguir escapar e serás abordado pelos Promotores da WTF. Profissionais valentes que suam a camisola cor-de-rosa da WTF como se de uma final da Champions League se tratasse. “Atacam” a juventude como um defesa-central ataca o avançado. Agarram e não largam. E como a figura do árbitro não existe, o único cartão passível de ser mostrado é aquele que eles tentam impingir. Os mais habilidosos ainda conseguem contornar esta vasta teia de ávidos vendedores, mas nem todos têm a mesma destreza e sorte. Os menos afortunados são capturados, e as hipóteses de se desemaranharem são escassas. A partir daqui, o horizonte afigura-se negro. Presos na teia, a única forma de libertação é proceder à compra. Depois de vários minutos em cativeiro, de tortura de tarifários e divulgação de dados pessoais, surge uma luz ao fundo do túnel que devolve a esperança aos reféns. O futuro já não é tão negro. Sobretudo se as apps forem à “pala” e só tiveres que pagar a primeira mensalidade daqui a 6 meses. Nesse caso, até foi uma tortura agradável.

 

3.  INVASÃO DOS PASTÉIS DE NATA 

É uma praga suculenta que pode criar raízes à vontade que ninguém se importa. O primeiro aviso foi dado com a abertura do primeiro espaço dedicado a esta iguaria lisboeta. The World Needs Nata, anunciaram. O Porto ouviu. E milhares de natas devoradas mais tarde, surgiu uma Fábrica da Nata. Mais oferta, mais natas, mais uns quilinhos marotos em cima. E sobra a Manteigaria (localizada na Rua Alexandre de Braga/Rua Formosa), que não é na mesma Rua, mas que só lhe dista uma dezena de metros. Se contarmos com esta última, são três as corporações pasteleiras a conspirar contra os diabéticos e a encher os bolsos aos personal trainers. Veni Vidi Vici, clamou a imperatriz Nata. Os seus súbditos, os Tripeiros, obedeciam. Juntos formaram o grande império “Natiano”. 

 

4. PASSADEIRA DA RUA FORMOSA 

Há dois tipos de pessoas no mundo: aquelas que atravessam a passadeira; e as que suplicam para ser atropeladas. Ou seja, o primeiro grupo de pessoas olha para a passadeira não como uma passerelle, não como uma tentativa de mostrar o seu lado mais incauto, mas sim com o olhar utilitário de quem vê numa passadeira … uma passadeira – o local designado para a respectiva travessia de peões. Mas há criaturas que nos fazem acreditar no mito da fundação de Roma. Reza a lenda que, Rómulo e Remo, gémeos que foram abandonados num cesto nas águas do Rio Tibre, foram salvos por uma loba que os amamentou e viu crescer. Anos mais tarde, depois de uma catadupa de peripécias gloriosas, aventuras e desventuras por que passaram estas figuras mitológicas (sorry, Rómulo e Remo), um dos irmãos resolver matar o outro. Podia ser o argumento de uma telenovela da TVI, mas, dizem as más-línguas que este episódio está na origem da fundação de Roma. Sem querer traçar visões catastrofistas, para já, ainda ninguém foi morto na passadeira da Rua Formosa, o que por si só já é uma verdadeira epopeia. Ainda assim, não foi por falta de empenho dos seus intervenientes. A passadeira da Rua Formosa emana, certamente, vibrações maléficas. Desregula cérebros e tolda raciocínios. Isso, ou esses aventureiros acéfalos também foram criados por uma matilha de lobos, tal como Rómulo e Remo. Só assim se explicam os milhares de cruzamentos kamikazes que se verificam diariamente nos brevíssimos metros de passadeira que liga a Rua Formosa à Rua de Santa Catarina. Eu inclino-me mais para os lobos, sinceramente. Pessoal que desrespeita sinais vermelhos para os peões e penetra descontraidamente sobre a faixa de rodagem, como se nenhum mal adviesse da sua acção negligente, é malta que cresceu no mato. Eles não conhecem o conceito medo. É uma tribo temerária, de vontades irracionais e desejos animalescos. Mas é a realidade onde vivemos. Quero terminar enviando um abraço fraterno aos condutores, que, perante tamanha intromissão e desrespeito pelo seu habitat, convivem em total harmonia com a espécie usurpadora. 


5. HOMENS ESTÁTUA 

Ao bom estilo das Ramblas … meh. Quem é que vamos enganar com isto? Os homens estátua de Santa Catarina -ou mulheres estátua (calma, associadas das Capazes) – não granjeiam a mesma admiração do público como os estátuas internacionais. É triste. Em Santa Catarina, a sua presença é incerta, como os prémios das raspadinhas. Vão e vêm, e quando vêm aguçam a curiosidade dos mais novos que olham para a sua capacidade de levitação, com o mesmo aparato com que eu olho para o Queijo da Serra no Natal. Há que apoiar mais os nossos estátuas, já que eles próprios, aparentemente, não morrem de amores por cadeiras, bancos ou outras peças de mobiliário concebidas para repousar o corpo. Isto é gente que pega no ideal “parar é morrer”, refuta-o, reivindica-o e derrota-o, gente que quanto mais parada, mais trabalha, gente que, desta forma, parados muito paradinhos, emprestam a dose certa de arte pétrea a uma Rua que não pára, e isto, isto é gente de valor inestimável. Uma rua palmilhada a bom palmilhar, suspensa pelo sossego corporal heróico de seres humanos em stand-by

 

6. GAIVOTAS 

Não é um exclusivo da Rua de Santa Catarina, mas o sindicato das gaivotas podia ter em consideração o volume de turistas que se passeiam por uma Rua tão conceituada, e delimitar o território como Área Protegida. Há mais locais para roubar lanches mistos das mãos das pessoas. Outras esplanadas podem ser trespassadas, noutras latitudes da cidade. Não queremos ver o TripAdvisor inundado de críticas negativas quanto à hospitalidade e boas maneiras dos nossos pássaros, para não afugentar quem nos visita. Reúnam-se lá e façam o favor de definirem uma zona específica, na periferia, para furto de pastéis. Não é só a Rua de Santa Catarina que fica mal vista. São vocês também. Queixam-se que vos apelidámos de “ratos com asas”, e que as pessoas vos repelem, mas não se vislumbram mudanças no vosso comportamento. Neste momento olhamos para vocês como uma “praga”. Mas se estes ataques vis persistirem, se não controlarem a cleptomania evidente que vos consome, e se não acharem rapidamente outro local para evacuar os excrementos, então, minhas amigas, o nível de ameaça evoluirá de “praga” para “terrorismo”. 

 

7. COMUNIDADE CIGANA VENDEDORA DE ÓCULOS E RELÓGIOS

Talvez o maior baluarte da luta por um Porto com mais estilo. Não obstante ostentarem um moreno invejável ao longo das 4 estações do ano, ainda zelam pelo fashion sense dos Portuenses. Munidos de uma vasta panóplia de óculos de griffe e relógios de valia equivalente, fazem sentir a sua presença através de técnicas de venda amistosamente agressivas. É um processo que passa por 3 fases. Em primeiro lugar, a identificação do alvo. Em segundo, pôr em prática a sua cordial tagarelice que conquista até as almas mais carrancudas. Por fim, a perseguição. Pois quando o desfecho é desfavorável para o negociante cigano, a pessoa interpelada tende a abanar a cabeça em reprovação, agradece e continua a andar. No entanto, do outro lado não está um vendedor qualquer. Um vendedor cigano não se deixa abater por uma nega. Vai atrás. Propõe uns óculos diferentes. Incentiva o freguês a experimentar. Afiança que é produto original. “Ray Ban dos novos, filho”, atiram. E, quando finalmente parece que vão aceitar a derrota, renascem das cinzas, e num hercúleo esforço final rematam com uma derradeira tentativa de fechar a transação: “E este Rolex aqui, mano? Tá top, olha vê”. Podemos nem levar os Ray Ban ou os Rolex. Mas eles são uns heróis. Não vestem capa, mas nem todos os super-heróis vestem capa. Por vezes, uma camisa desabotoada até ao peito é suficiente. Não são os heróis que merecemos, mas são os heróis que a Rua de Santa Catarina necessita.  

 

8. SENHORAS DAS MEIAS 

A essência do Porto personificada. O bairrismo típico desta cidade não podia faltar na Rua de Santa Catarina. Para quando uma lei municipal a obrigar a presença das vendedoras de meias em todos os recantos da cidade? No caso em questão, é de louvar a rivalidade benigna existente entre estas senhoras e o Café Majestic. Uma competição sadia que interessa manter acesa. O Majestic é um espaço que figura no Top 10 dos mais belos cafés do mundo, sendo que o preçário acaba por reflectir essa distinção. Os turistas, sobretudo, vêm com a lição bem estudada de casa, e não perdem a oportunidade de contemplar a sua imponente fachada em mármore e os pormenores decorativos do seu interior. No exterior, as Senhoras das Meias, detentoras de um alcance vocal poderoso, irrompem com estrondo nas mentes dos excursionistas que admiram o Café. A dúvida instala-se. E, talvez aqueles três euros que iriam ser gastos num cafezinho, sejam aplicados em três pares de meias. Não são os três euros certos – “são três a cinco euros! Três a cinco euros!”. Por mais dois euros, até que compensa. Além de ser um investimento seguro, parece que o ressurgimento da meia branca com raquetes é real. Este ping pong dicotómico entre o Porto chique e o Porto popular, que põe frente a frente estes dois colossos da Rua de Santa Catarina, é o verdadeiro derby da cidade. Esqueçam o Porto vs Boavista. Este é ainda mais bonito, é jogado com fair-play e no fim só existem vencedores. 

 

9. COZIDO À SANTA CATARINA 

Não podíamos deixar de fora uma série de figuras basilares que merecem mais do que uma breve menção honrosa. Por isso, à semelhança do que acontece no famoso Cozido à portuguesa, vamos pegar nesta miríade de personagens e acontecimentos, juntá-las na mesma panela e deixar a magia acontecer. Primeiro colocamos a cozer 1) a mocidade que anda de caneta e bloco em riste a fazer perguntas para questionários de satisfação e controlo de qualidade. Quando esta estiver cozida, retira-se. Na mesma água cozem-se 2) os voluntários da AMI e da revista CAIS. Um Cozido à moda da Rua de Santa Catarina não dispensa estes 2 ingredientes. Num tacho à parte, porque não 3) dar um pezinho de dança ao ritmo do acordeão do senhor invisual que anima a esquina da Rua de Santa Catarina e da Rua Formosa? Que se dance! Faça chuva ou faça sol! Mas se fizer sol, que se compre 4) um chapéu de palha na banca imediatamente ao lado para proteger a cabeça dos raios solares. E que se corte a má disposição e se sirva alegria numa travessa. Que se faça acompanhar 5) pelo elétrico que vem da Batalha e desce em direção à Praça de D.João I, sem esquecer de se admirar 6) a fachada da Relojoaria Marcolino. E, se depois de toda esta fusão gastronómica, 7) o Relógio das Galerias Palladium não ganhar vida e sair à rua, então é porque S. João, o Infante D. Henrique, Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco querem ao máximo abrigar-se das gaivotas.  

NorteSoul Mouzinho, PortoSoul Trindade e PortoSoul Formosa, estão a menos de 5 minutos de tudo isto … 
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